Acordámos cedo em Ouarzazate. Depois da primeira etapa de Marrakech a Ouarzazate, tínhamos pela frente outra grande jornada, desta vez para chegar ao deserto de Merzouga, no final do dia. Fizemo-nos à estrada.
O cenário era inóspito até atravessarmos Agdz e chegarmos ao belíssimo vale de Draa. Ao longo de quilómetros, o verdejante vale é alimentado pelo rio Draa (o maior do país, com 1.100km): um verdadeiro oásis, em que tudo à volta é seco e desolado.
Por aqui, parámos junto a Jbel Kissane, uma montanha com quase 1500 metros de altitude que se destaca na planície. Uma imagem por si só impactante, mas que ganha um peso ainda maior pelo contraste com o vale de tamareiras, em baixo. Uma daquelas imagens que fazem a viagem. Vale a pena parar e beber daquelas cores.
Tudo isto é Saara
Este é já o início do deserto do Saara. Sendo o maior deserto quente do mundo, tem uma área superior a 9 milhões km2. Ocupa quase a totalidade do Norte de África e corresponde a 30% do continente africano, atravessando 10 países: Marrocos, Argélia, Egipto, Líbia, Mauritânia, Nigéria, Tunísia, Chade, Mali e Sudão. Aliás, a própria palavra ‘Saara’ significa desertos em árabe.
Apesar das dunas de areia serem a imagem mais reconhecível do Saara, existe muito para além disso: formações rochosas, lagos secos, vales de sal e vales secos de terra. Do lado ocidental, o Saara começa logo depois da cordilheira do Atlas; a norte, termina quase no Mediterrâneo; a oriente chega quase à Ásia; a sul, termina no Sahel, uma zona híbrida, entre o inóspito deserto e as florestas tropicais.
Nesta paisagem já desértica, depois do Atlas, a caminho do deserto de Merzouga, existem ainda outros pontos onde vale a pena parar por alguns momentos. Os desfiladeiros das Gargantas do Todra marcam o início do Alto-Atlas. Ao longo de 24km, os dois desfiladeiros esculpidos pelo rio Dades vão se estreitando até estarem a 10 metros de distância. Caminhar entre as duas paredes de pedra ao longo do rio é um percurso único, e uma tentação para quem pratica escalada.
Outro dos pontos obrigatórios é o chamado Vale das Rosas, perto de Kelaat-M’Gouna. Neste vale, existe um enorme roseiral, cujas pétalas são utilizadas para produzir toda uma panóplia de produtos à base da flor: perfumes, cremes e óleos, principalmente. As rosas desabrocham no início da primavera e eu já cheguei fora de tempo. Ainda assim, a paisagem é bela.
A chegada às dunas do Saara
E eis que, depois destas paragens, chegamos finalmente àquela parte do deserto do Saara que faz parte do nosso imaginário: as dunas. A terra e as pedras vão sendo substituídas por areia e o nosso autocarro começa a ter dificuldade em avançar.
Estávamos a chegar ao início das dunas de Erg Chebbi, o apelidado deserto de Merzouga, nome da cidade mais perto. As dunas estendem-se ao longo de 50km, chegando quase à fronteira com Argélia.
Aqui, temos de mudar de transporte. De autocarro, passamos para um jeep 4×4 para percorrer mais alguns quilómetros. Depois, mudamos para aquela que é uma experiência única na vida: andar de dromedário. Este é o transporte por excelência nas dunas do deserto.
Um erro muito comum é chamá-los de camelos. O dromedário existe em África e na Ásia Ocidental, enquanto que o camelo está em vias de extinção e apenas existe na Ásia Central. O primeiro, tem menos pêlo, apenas uma bossa e é bem mais rápido: viaja a cerca de 16km/h, enquanto que o camelo viaja a 5km/h. As bossas dos camelos e dos dromedários acumulam gordura, enquanto que o sangue preserva a água, permitindo a estes animais sobreviverem até 15 dias sem beber água.
Bom, montei o dromedário a medo, mas, depois de ele se levantar, rapidamente me habituei. Tínhamos duas horas pela frente e, além das óbvias fotografias, houve bastante tempo para apreciar as dunas douradas e imaginar a vida de tempos idos.
A rota das caravanas passa aqui
Por aqui situam-se as ruínas de Sijilmasa, a antiga cidade medieval marroquina, que foi o grande entreposto comercial das caravanas que vinham e íam para o deserto. Alvo de sucessivas invasões berberes, foi uma das cidades mais importantes do Magreb. Hoje, restam apenas ruínas ao longo de 8km.
Estamos na antiga rota das caravanas, que atravessavam o deserto do Saara para chegar aos grandes mercados na costa ocidental africana e às águas do Mediterrâneo. A existência de longas travessias no deserto data de épocas pré-históricas (quando esta zona era, até, bem menos inóspita), mas foi a partir do século III que a travessia começou a ser feita por berberes, convertidos ao Islão, que começaram a domesticar e a utilizar dromedários para o transporte de pessoas de mercadorias.
Entre os séculos VIII e XVII, a rota transsaariana atingiu o seu pico. No início, havia duas grandes rotas: do início do deserto em Marrocos até ao rio Níger (atualmente, no Mali) e da Tunísia ao Lago Chad. Cada uma destas rotas tinha cerca de 2000km, e rapidamente se estenderam e atravessaram todo o Norte de África.
Cada caravana tinha cerca de 1200 dromedários, e, algumas, chegaram a ter 12000. Do Mediterrâneo a Sahel (a sul do Saara), as caravanas demoravam entre 2 a 3 meses, podendo passar até 15 dias sem encontrar água.
O ouro que vinha da zona de Sahel e o sal (escasso em África, mas que havia em abundância no Mali) eram bens chave nas rotas comerciais. Outros produtos trocados incluíam o ferro, linho, algodão, peixe desidratado, arroz, trigo, sal, azeite, dromedários, cavalos, tecidos, ouro, cobre, pérolas e marfim. Muitos escravos eram também transportados nestas caravanas.
As rotas começaram a perder a sua importância com a chegada dos portugueses e outros europeus. Hoje, a maioria das rotas está encerrada. Contudo, ainda há grupos de comerciantes tuaregues que fazem longas travessias com caravanas de dromedários, transportando principalmente sal para as comunidade na zona do Sahel.
No deserto de Merzouga
Longe de sermos uma caravana a atravessar a imensidão do Saara, a nossa pequena excursão demorou 2 horas. Parámos para um curto pôr-do-sol, mas a tempestade aproximava-se.
Continuámos nas dunas de Erg Chebbi (ou deserto de Merzouga), rumo ao nosso acampamento. E chegámos à hora certa. Mal entrámos na tenda principal, caiu uma trovoada implacável. Por entre os fortes trovões e a tremenda queda de água, os nossos guias disseram-nos que não chovia há mais de 4 meses. Em poucos minutos, já caía água dentro da tenda e as paredes dançavam. Quando me estava a preparar para me preocupar, tudo começou a acalmar. As tempestades no deserto chegam com força, mas dissipam-se com rapidez.
Arrumámos as malas, e, meia hora depois, estávamos a jantar lá fora, no meio das dunas e sob a luz do luar. Já ninguém se lembrava de que tinha havido uma tempestade.
Depois de jantar, os nossos anfitriões convidam-nos para um momento de descontração. Acendem uma fogueira (o deserto arrefece à noite, mas nada que uma sweatshirt não resolva), e juntamo-nos em roda. Depois do convívio, algum tempo para apreciarmos o deserto por nós. Já passava da meia-noite, mas mesmo assim subi a uma das dunas. A areia, o horizonte, a lua cheia, o silêncio. Este é um momento que vou guardar durante muito tempo e uma das razões pela qual fiz esta viagem. Inspiro fundo.
Quando dou por mim, poucas horas restam para o nascer-do-sol. Mas as horas madrugadoras são recompensadoras e banham a paisagem de uma luz única. É um mar de ouro que se estende à nossa frente. Ganho energia. Bem preciso dela. É altura de fazer tudo de volta, até Marrakech.
Deserto de Merzouga, até à próxima. Marrocos, até à próxima.
Gostaram do artigo sobre o deserto de Merzouga? Leiam também o artigo anterior, de Marrakech a Ouarzazate. Esta viagem foi realizada a convite da agência de viagens Marrocos.com. Se gostaram, sigam o Contramapa no Facebook e no Instagram.
Que maravilha! Sabes, há muitos anos que quero conhecer o deserto do Saara, mas tenho um problema: dou-me terrivelmente mal com o calor (a sério, algo superior a 20º já me deixa a morrer ahah) Mas pronto, acho que está na altura de deixar-me de mariquices e ir explorar Marrocos! Adorei o teu relato, e os dromedários parecem amorosos. Eu andei de camelo na Mongólia e foi uma experiência incrível.
Tens de ir, Catarina. Experimenta ir na primavera ou no outono, faz muito menos calor. No pico do verão, também eu não me atreveria! 😛 É uma experiência muito gira, mesmo!
E gostaste da Mongólia? Há uns tempos passou-me pela cabeça ir lá…
Que aventura incrível pelo deserto!
As fotos ficaram sensacionais. Muito interessante o seu relato.
Esse é um dos lugares do mundo que mais tem me chamado a atenção nos últimos meses.
Maravilhoso esse passeio! Adoramos tours no deserto. Fizemos no western desert no Egito e foi uma experiencia incrível. Tambem fizemos no Atacama. Acho que saimos transformadas. Apaixonei na foto com as tamareiras.
Deve mesmo ser uma daquelas experiências para se colocar na lista das coisas para se fazer na vida! As paisagens, o silêncio e a história; tudo é muito rico. Belo relato!
Eu tenho alguns desertos em minha lista de lugares para conhecer, mas confesso que conhecia muito pouco sobre o Saara. E com certeza ele está muito além de apenas dunas de areia. Que lugar lindo e que fotos fantásticas. Com certeza ja tava na lista, mas agora subiu no ranking. 😉
que viagem incrivel, realmente uma experiencia que muda a vida! não sabia que os camelos estavam em extinção 🙁 quero fazer essa viagem um dia, mas numa época mais amena talvez primavera
Angie, precisa de fazer essa viagem então. Acho que a sua paixão pelas lamas ia mudar… porque se iria apaixonar pelos dromedários! ehehe
Impressionante! Que paisagem extraordinária e variada! Tenho vontade de ir para estes lados há tempos e depois de ler teus textos essa vontade se intensifica. Andar pelas antigas rotas das caravanas em encheria de pura emoção! 🙂
Analuiza, é uma experiência que vale muito a pena. Dormir no deserto e andar de dromedário é único, mesmo!
As paisagens menos conhecidas são simplesmente maravilhosas! Que aventura mais lindaaaa! Amei!
Impressionante! Que lugar lindo. Desculpa-me o trocadilho mas aí é um deserto mesmo! Adoro! Parabéns pelo relato, me senti lá!
Visshhh! Que viagem mais incrível! Cada cenário de tirar o fôlego! Adorei cada detalhe! Cheio de vontade, pena que é tão longe!
Que maravilha esta viagem! Paisagens maravilhosas. Adorei e espero um dia fazer essa viagem incrível!
Vai, que vale muito a pena!
Olá gostaria de partilhar as tuas Viagens na minha conta Twitter, mas não encontro o símbolo (passarinho)
Olá José!
Está no final do texto, depois do mapa! 🙂
Belo artigo, parabéns!
Att Diana
Descobri agora o seu contramapa, pois andei pesquisando Marrocos. Estive em Ouarzazate, Merzouga e depois fui para norte por Ifrane, Azrou para Fez. Terra muito bonita, espetacular.
O que me leva a escrever, passados 2 anos, foi – parece-me que ninguem deu por isso – um pequeno lapso no comprimento do Rio Draa, serao 1100 kms e nao 110 kms …Acontece.
Continuacao bom trabalho
Duarte
Bom olho. Corrigido!!