Já me tinha alongado aqui sobre as quatro belas serras que compõem as Montanhas Mágicas, entre o vale do Douro e o vale do Vouga. Se na primeira viagem estive principalmente pela Serra de Montemuro, desta vez aventurei-me mais para sul, e estive principalmente pela Serra do Arestal e pela Serra da Arada, duas cadeias montanhosas que atravessam o nosso interior, sempre com o Vouga na mira. Comecemos, então, por aí.
O belíssimo Vale do Vouga
Chegamos a Paradela. Esta antiga zona industrial é também uma terra de madeireiros e pescadores. Com um passado recente associado às trocas comerciais com Aveiro, tudo se levava e trazia pelo rio: as laranjas e as hortaliças para jusante, sal e telha para montante. Os tempos agora são outros. Há menos embarcações no rio e o comboio já não passa aqui. A antiga estação ferroviária da Paradela foi transformada na Ecopista do Vouga, com 11 quilómetros para percorrer a pé ou de bicicleta.
Vamos pelo nosso próprio pé até à Ponte do Poço de Santiago. Construída em 1908, esta foi em tempos a ponte ferroviária mais alta do país. Hoje, para os mais aventureiros, há escalada e rappel. E, apesar de já existir pouca lampreia no rio, a Festa da Lampreia continua a acontecer em Sever do Vouga, com o peixe que se traz dos rios Minho e Mondego. Já as lontras, essas resistiram às barragens e ainda se podem ver pelo Vouga, especialmente em dias de sol, onde as vemos aquecerem-se junto às rochas.
Mas não são só as lontras que se divertem no rio. Além de caminhadas e passeios de bicicleta, por aqui pode ser feito canoagem e passeios de barco. Perdi o medo da água fria do inverno e aventurei-me num passeio de stand-up paddle pelas águas calmas do vale do Vouga, a montante da barragem. Apesar de equipada a preceito pela Desafios, não molhei nem um fio de cabelo.
Pelas Serras adentro: Arada e Montemuro
Acordamos em Couto de Baixo, uma pequena aldeia repleta de laranjeiras que espreita o Vouga lá em baixo. Há casas em ruína, limoeiros e um cheiro a fumo: por aqui se fazem as últimas queimadas do inverno. Começamos a manhã entrando pela serra adentro, e cada vez vemos menos eucaliptos e mais pinheiros e carvalhos.
Pela N227, passamos por riachos e cascatas que escondem plantas carnívoras e começamos a afastar-nos do vale do Vouga. Se não fosse inverno, pararíamos nas cascatas do teixeira, de difícil acesso, mas onde nos garantem que há umas piscinas naturais idílicas (entre São João da Serra e Lameiras, basta parar o carro junto à ponte sobre o rio teixeira). Rumando a norte, encontramos cada vez mais eólicas, que contrastam com os pastores que ainda palmilham a terra pelo próprio pé, entre o granito e o xisto.
A nossa próxima paragem é no Portal do Inferno, a 1000 metros de altitude em pleno maciço da Gralheira. Localizado entre duas ribeiras (entre o município de Arouca e de São Pedro do Sul), este miradouro íngreme amedronta quem por aqui passa. Ao olharmos a panorâmica em volta, vemos a encosta da montanha cortada pela água no formato de uma garra.
Bem perto encontramos fósseis de rastos de trilobites (animais invertebrados extintos), que passam despercebidos mesmo aos olhares mais atentos.
Antes de descermos o vale, passamos ainda por um último ponto alto: o miradouro de S. Macário, onde podemos ver a Freita e São Pedro do Sul em nosso redor. Num dia límpido, podemos daqui ver as serras de Montemuro, do Caramulo, da Estrela e o Vale de Lafões.
Conta a lenda que Macário viajava bastante, deixando a mulher sozinha em casa. Um dia, ao regressar, encontrou um casal na cama e, pensando tratar-se da mulher que o traía, puxou de uma faca e matou-os. Eram, afinal, os seus pais, que aguardavam o seu regresso para uma reunião familiar. Como penitência, Macário saiu de casa e começou a percorrer a serra a pé, fixando-se neste ponto bem alto para expurgar a culpa, onde ficou a viver até ao resto dos seus dias, contemplando a natureza e pedindo perdão.
No fundo do vale: Aldeia da Pena
Em apenas 7 quilómetros descemos dos 1000 para os 200 metros. Enveredamos por uma estrada sinuosa que afunila em curvas e contracurvas até chegarmos à Aldeia da Pena. As pequenas casas de xisto e os canteiros de flores coloridas vão se aproximando e lembro-me da lenda “do morto que matou o vivo”, que nos recorda a sinuosidade do vale através da história de um caixão que deslizou pela encosta, matando um dos homens que o transportava.
Por aqui, vale a pena continuarmos o caminho íngreme junto à ribeira até à Livraria da Pena, seguindo pelo antigo caminho que a população utilizava quando ainda não havia estrada. Após subirmos uma pequena elevação, encontramos um vale extenso, com uma paisagem deslumbrante repleta de árvores raras e degraus esculpidos na rocha. Estas são umas das mais belas páginas que a natureza de São Pedro do Sul escreveu para nós.
Os mais aventureiros poderão descer pelas rochas até à base da cascata, cá em baixo, mas não se esqueçam: tudo o que descerem, é preciso subir, e por aqui o sol esconde-se mais cedo.
Revitalizar em São Pedro do Sul
Ao final do dia, chego a São Pedro do Sul, pronta para me revitalizar nas termas mais famosas do país. Por cá já passaram muitos monarcas, incluindo D. Afonso Henriques e a rainha D. Amélia, que deram o nome a dois dos balneários. Com propriedades únicas na Europa, a água sulfúrea emerge aqui a 68 graus e trata os visitantes durante todo o ano: quer seja com prescrições terapêuticas, quer seja em serviços de bem-estar.
Mas não é só de águas termais que São Pedro do Sul é conhecido: por aqui há 8 percursos pedonais a serem percorridos e está a ser construída uma ecopista circular, que ligará o litoral ao interior. Para já, há também a explorar as ruínas do aqueduto das águas reais e a levada da Paradela, com 3km de extensão.
A tradição de Castro Daire
No último dia começamos a aproximar-nos de Castro Daire, alcançando a aldeia de Campo Benfeito, onde a tradição sobrevive e se reinventa.
Ao chegar, vale a pena parar na Estação da Biodiversidade e, caso haja tempo, fazer o percurso PR3: o trilho dos carvalhos percorre a estação, desde o vale do rio Balsemão à aldeia de Cotelo, por entre paisagens bucólicas e uma fauna e flora muito características desta região. Encontramos lameiros, menos floresta e mais giestas. Quem por aqui passa no verão encontra o campo repleto de borboletas azuis.
É nesta aldeia que se localiza a sede do Teatro do Montemuro, e é aqui que se realiza anualmente em agosto o Festival Altitudes, com um programa eclético, em que o teatro se junta a vários ateliers de artes plásticas.
É também nesta aldeia que encontramos a oficina das Capuchinhas do Montemuro, que funciona há 30 anos produzindo peças em lã de burel e linho. Partilhando de uma vontade de continuarem a viver no campo e resistirem ao chamamento da cidade, a Henriqueta, a Engrácia e a Isabel explicam-nos que começaram a trabalhar aqui aos 18 anos. Depois de serem ensinadas pelas mães e outras anciãs da aldeia, começaram por fazer camisas de linho, coletes de burel e mantas. Agora, desenvolvem uma coleção de verão e outra de inverno e são uma das principais atrações da região, sendo que os seus produtos já chegam a lojas em Lisboa e no Porto, recebendo encomendas de todo o país.
À saída da aldeia, subimos a um miradouro. Terminamos o fim-de-semana nas Portas de Montemuro, um dos pontos mais altos da serra. De um lado Castro Daire e o rio Paiva, do outro o vale do Bestança e Cinfães. Ao fundo, já se vê o rio Douro e o Porto Antigo. Se nos esforçámos conseguimos, até, ver o Gerês e o Marão.
Esta é, de facto, a porta de entrada para as nossas Montanhas Mágicas.
Onde Comer no Vale do Vouga
– Restaurante Quinta do Barco, Praia Fluvial da Quinta do Barco
Proprietária e cozinheira, a Alice é transmontana e apresenta-nos as melhores iguarias da casa: açorda de bacalhau (em substituição do sável, que ainda não tinha subido o rio), bacalhau e polvo frito, lampreia à bordalesa, rojões das tripas, bola de carne, feijoada no forno com feijão catarino, papas carolas (milho), papas de rojão e frango à padeiro.
Com tudo confeccionado com o melhor sabor e produtos locais, não poderíamos ter encontrado uma melhor forma de chegar ao vale do Vouga e às Montanhas Mágicas do que no restaurante Quinta do Barco, localizado mesmo junto à praia fluvial da Quinta do Barco, depois da barragem da Paradela (Sever do Vouga).
– Cantinho da Eira, Couto de Baixo
Na aldeia de Couto de Baixo, encontra-se o acolhedor Cantinho da Eira, onde a D. Alice nos recebe com pão e broa quente. A vitela assada com batata e arroz não tarda a chegar, pelas mãos da própria, que a tira do forno a lenha depois de 3 horas de cozedura.
Este cantinho é ainda mais especial porque costuma abrir por marcação, portanto, apontem o número: +351 966 607 753.
– Adega Típica da Pena, Aldeia da Pena
Esta é uma das razões pelas quais vale a pena descer a encosta até à Aldeia da Pena. Com uma decoração rústica com notas velhas, chocalhos e muitos vinhos, na Adega Típica da Pena come-se o que de melhor a região tem para oferecer: cabrito, vitela e arroz de cabidela. Uma refeição serrana, cuja marcação convém ser feita com antecedência devido ao reduzido espaço do restaurante: +351 232 731 808.
– Quinta da Rabaçosa, Castro Daire
A nossa última refeição foi na Quinta da Rabaçosa, já em Castro Daire. Com uma refeição preparada pela Confraria do Bolo Podre, começámos com muitos petiscos como trutas do rio, bola de carne, bola de sardinha e presunto. Depois da refeição principal, com enchidos, vitela e migas, chegou o ponto alto da refeição com uma bela seleção da melhor doçaria regional: rabanadas, farófias, arroz doce, capuchitas doces, cucas e, claro, o bolo podre (chamado assim pela dificuldade de se manter de pé).
Onde Dormir no Vale do Vouga
– Douro41 Hotel, Castelo de Paiva
Com uma vista soberba sobre o rio Douro, este é definitivamente um dos melhores hotéis onde já fiquei. Fica um pouco a norte desta região (já em Castelo de Paiva), mas vale a pena o desvio. Quer seja dos quartos, do restaurante, do terraço , da piscina ou mesmo da sauna, o moderno Douro41 Hotel & Spatem um vista de tirar o fôlego sobre o rio Douro. As refeições no hotel são também algo de memorável: quer seja o pequeno-almoço, quer sejam os jantares servidos no restaurante Raiva: eu fiquei completamente rendida à cataplana de canja de amêijoas… e com muita vontade de regressar para experimentar o aiguillette de peixe galo fumado.
Uma noite num quarto duplo no Douro41 Hotel & Spa (com pequeno-almoço incluído) custa a partir de 150 euros.
– Casa da Tulha, Couto de Baixo
Em pleno vale do Vouga fiquei alojada numa unidade de alojamento local, a Casa da Tulha. Com um terraço com uma bela vista sobre o vale do Vouga, a casa com apontamentos de pedra tem todas as comodidades que possamos necessitar, incluindo piscina, ginásio e jacuzzi.
Uma noite num quarto duplo na Casa da Tulha (com pequeno-almoço incluído) custa a partir de 70 euros.
– Palace S. Pedro do Sul, São Pedro do Sul
Em São Pedro do Sul fiquei alojada no histórico e imponente INATEL Palace S. Pedro do Sul, junto às termas e oferece todos os confortos de um alojamento moderno, incluindo uma sala de jogos e uma biblioteca.
Uma noite num quarto duplo no Inatel Palace S. Pedro do Sul (com pequeno-almoço incluído) custa a partir de 65 euros.
Garanto-vos que é um lugar incrível, eu vivi um ano na Covilhã e apaixonei-me pela sua gastronomia.
Obrigada pela partilha!
As fotos ficaram lindas, fico aqui imaginando no proprio local…. Obrigado por compartilhar….