“Como assim, um festival de caminhadas no Algarve?”
Foi esta a minha primeira reacção quando ouvi falar do Walking Festival do Ameixial. O que seria isso de um festival de caminhadas em pleno Algarve? Fiquei curiosa mas a pouco a pouco não só percebi o conceito como me tornei fã dele. Ora leiam.
Porquê um Festival de Caminhadas no Ameixial?
No final do outono rumei a um outro Algarve. Outro porque é do conhecimento comum que existem vários. Cheguei ao Ameixial e percebi imediatamente que a distância até à praia é superior aos quilómetros palmilhados e a os mergulhos no mar ficam lá longe.
“Nós, os ameixialenses, não somos algarvios. Também não somos alentejanos. Ou melhor, somos alentejanos sem travões. Somos serranhos. É outra coisa.”
Estamos em plena serra, e sentimo-la não só na paisagem, mas também nos sabores e nos cheiros. Por aqui passam vários afluentes do Guadiana, sendo o rio Vascão o protagonista que corta a serra. A paisagem marcada por estevas, prados, lameiros e fragas envolve-nos. Está tudo seco no final deste terrível ano de 2017, mas conseguimos imaginar a cor que a primavera há-de devolver à serra em 2018.
A vida, essa, sobrevive à falta de água e refugia-se junto ao rio Vascão. No primeiro percurso pedestre do dia avistamos num dos pegos uma lontra que foge, tímida, mal escuta os nossos passos. Continuamos e apreciamos as aves que têm pouco por onde se esconder: há guarda-rios, garças e a magnífica águia-de-bonelli, que nidifica nos sobreiros da região. Contam-nos que os linces são difíceis de avistar, mas são cada vez mais na serra algarvia.
No final do trilho, subimos ao Miradouro do Caldeirão, um ponto chave da região, onde a vista pode alcançar a serra de Monchique em todo o seu esplendor, e a Rocha da Pena. Bebemos da imensidão da serra e começo a perceber porque vale a pena percorrer a pé esta região.
Caminhar, caminhar, caminhar
Existem já 4 percursos demarcados com ponto de partida no Ameixial que permitem conhecer esta paisagem tão característica durante todo o ano. É que com mais de 300 dias de sol por ano e um clima ameno, não há desculpa, nem mesmo no inverno! Procurando desenvolver um turismo sustentável e combatendo a desertificação da região, o Walking Festival do Ameixial foi criado em 2013 com o o pretexto de promover a as caminhadas nesta região e a criação de uma Grande Rota em torno do Rio Vascão.
O que começou com uma dúzia de entusiastas tornou-se um paraíso para quem gosta de dar à sola e conviver. Durante dois dias na primavera juntam-se no município do Ameixial uma boa centena de aventureiros e há caminhadas para todos os gostos.
Os percursos familiares permitem uma interacção maior com a natureza com uma orientação didáctica. É o caso da caminhada com o pastor, que leva as suas cabras para interagirem com os miúdos e graúdos ou da caminhada com o burro, um favorito da criançada.
Existem também caminhadas temáticas, para quem tem um interesse especial: a inclusiva, a literária, a da cortiça, a das aves, a botânica, a do lince ibérico, a dos batráquios, a das aranhas entre outras. Aquela que me despertou mais interesse foi mesmo o percurso radical, queinclui uma parte do trilho dentro do rio Vascão.
Um gostinho cá da terra
E como para caminhar uma pessoa precisa de bom sustento, por aqui não falta uma rica gastronomia de agradar ao palato. Em contrate com o litoral, por aqui primam os cozidos e estufados, com muitos enchidos e carnes.
Restaurante Tia Bia (Barranco do Velho)
Antes da inauguração da A2 e do IC1, a Estrada Nacional 2 era a grande protagonista no trânsito das férias do verão. O Ameixial e o Barranco do Velho eram as primeiras paragens no Algarve e por aqui paravam inúmeros veraneantes ansiosos de sol e praia.
Na antiga estação de serviço do Barranco Velho, há agora um casal de cozinheiros que dá uma nova vida ao mítico Tia Bia. Nuno, filho da terra, retornou à serra com vontade de combater a desertificação e agarrar os visitantes pelo palato. Adaptou a cozinha tradicional portuguesa à crescente procura por parte de estrangeiros e transformou o pernil no forno, tipicamente inglês, dando-lhe um toque nacional.
Eu optei pelo borrego, macio e ligeiramente tostado por fora, com batata assada. Para sobremesa, a torta de alfarroba, um clássico da região.
Para completar a experiência algarvia da serra, há que finalizar com uma água-ardente de medronho, o produto ex libris da região. E na Tia Bia não se faz a coisa por menos. Com uma produção própria, este medronho é tão suave que devia vir com uma advertência na garrafa…
O Restaurante Tia Bia tem também quartos para alojamento, modestos, mas que respondem à necessidade. Fica localizado na Estrada Nacional 2, na aldeia do Barranco Velho. O contacto telefónico é +351 289 846 425.
Café Central (Ameixial)
O grande ponto de encontro dos caminhantes no Walking Festival do Ameixial é o Café Central da aldeia, em plena Estrada Nacional 2. Sempre de chapéu e de língua destravada, a dona do Café Central é uma personalidade local. As especialidades da casa são o galo no pote estufado e o jantar de grão, com grão, abóbora, batata doce, carnes e enchidos.
Com uma simpatia inabalável, o café abre portas durante os dias do festival logo pela manhã e são servidas fatias douradas aos caminhantes. Os almoços e os jantares são também servidos aqui durante o evento, desde que reservados com alguma antecedência.
Muito além de andar
O conceito do festival vai muito além dos percursos pedestres e oferece outras atividades que podem complementar o fim-de-semana. Como é inspirado na Escrita do Sudoeste, o primeiro tipo de escrita na Península Ibérica, existem várias referências. Além da caminhada literária, podemos encontrar pelo Ameixial a reprodução de estelas da artista plástica Sara Navarro.
Algumas das verdadeiras encontram-se no Museu Municipal de Loulé e podem também ser visitadas durante o festival de caminhadas. Sendo este um património arqueológico único, o facto de ainda não ter sido descoberto o significado dos símbolos só acrescenta misticismo a esta escrita. A mim, fizeram-se ponderar a uma visita alienígena à população serranha…
Ao longo do evento são também realizados vários workshops e palestras. Em 2018 destacam-se as oficinas de cozedura do pão, de utilização de cordas e de bastões em caminhadas, jogos serranos e uma exposição fotográfica. Ao final do dia, os caminhantes juntam-se na eira do Ameixial para um sessão de ioga e, depois, seguem para a tiborna com o pão feito durante o dia.
Dicas: WFA – Festival de Caminhadas no Algarve
- Em 2018, O Walking Festival do Ameixial decorre nos dias 28 e 29 de abril.
- Conheçam aqui o programa atualizado do festival e mantenham-se a par. A partir de 1 de fevereiro podem fazer as inscrições nas várias caminhadas e workshops.
- O festival tem um custo de participação simbólico de 5 euros. Este dinheiro é depois reinvestido no desenvolvimento da região. Por exemplo, com o valor da edição de 2017 foi realizada uma ação de reflorestação na região.
- Um dos lemas do festival é a sustentabilidade ambiental. Evitem comprar garrafas de água de plástico e outros objectos descartáveis. Como incentivo, a organização do festival distribui cantis pelos caminhantes.
- Algumas atividades têm lugares limitados. Inscrevam-se atempadamente para garantirem lugar.
- O alojamento na região é limitado. Se preferem ficar num hotel ou numa guesthouse, reservem com antecedência no Booking.
- A organização garante de forma gratuita o transporte desde as estações rodoviárias e os principais hotéis ao início e ao fim de cada dia.
- A organização do festival disponibiliza espaços gratuitos para campismo e acantonamento no Ameixial. Aliás, o albergue e o parque de caravanas do Ameixial são gratuitos durante todo o ano, é apenas necessário entrar em contacto com a Junta de Freguesia.
- As opções de restauração também são limitadas. Poderão precaver-se e levar a vossa própria comida, ou marcar restaurante com antecedência.
- Não se esqueçam de passear pelo Ameixial e apreciar as suas características arquitectónicas distintas com as fachadas de pedra. Existe um novo parque de merendas com uma pequena piscina natural que faz as delícias dos miúdos.
- Se forem ao Barranco do Velho, não deixem de ir ao pátio da igreja. Coloquem-se mesmo no centro e falem em voz alta para ouvirem uma reverberação única.
- No Malhão existe uma comunidade budista tibetana. Com uma vista de 360º, este é o segundo local mais elevado do concelho de Loulé e guarda o único monumento budista do país.
Olá, gostei muito do teu artigo!
O WFA é sem duvida um grande evento e muito acolhedor…
A caminhada radical é todos os anos diferente e muito divertida! Passamos dentro da ribeira do Vascão diversas vezes e vemos paisagens espetaculares.
Obrigada pela crítica positiva.
O Ameixial tem sem dúvida um grande potencial! 🙂