Depois de uma longa travessia de comboio e de autocarro desde Osaka, chegamos ao nosso destino: o lago Shoji, no sope do Monte Fuji. Esta e uma das vistas imperdiveis do Japao, o inconfundivel monte-vulcao.
A nossa primeira paragem foi o hotel onde iriamos pernoitar, que nos pareceu um pouco como toda a zona circundante: decadente, velho e com cheiro a mofo. Descalcamo-nos e entramos pelas alcatifas gastas para fazer check-in enquanto um octogenario de metro e meio nos olha de cima abaixo, sem dizer palavra. Nem todos os japoneses sao amistosos e sorridentes, e um facto. A rececionista entrega-nos a chave do nosso quarto e oferece-nos um rebucado de boas-vindas. Dispenso, mas tenho para mim que iria saber a naftalina.
Subimos a escada poeirenta, e, finalmente, ao entrarmos no nosso quarto, lembramo-nos da razao pela qual tinhamos escolhido o Yamadaya Hotel. A vista. A vista soberba perdoa tudo. Do tatami do nosso quarto, ergue-se o Monte Fuji e o espelho gigante que e o Lago Shoji. Bebemos o nosso cha de boas-vindas (este, nao dispenso) e esperamos pela hora perfeita em que as nuvens se dissipam, deixando ver o vulcao em todo o seu esplendor.
O Monte Fuji e a montanha mais alta do arquipelago japones (a 3.776 metros de altitude), sendo um vulcao que ainda se encontra ativo. Esta imagem tem sido a inspiracao de muitos artistas, principalmente no seculo XIX quando a pintura de natureza estava muito em voga. Aquele que e talvez o quadro japones mais famoso – A Grande Onda de Kanagawa – tem o Monte Fuji em plano de fundo. No estilo tradicional japones ukiyo-e, pertence a coletanea 36 Vistas do Monte Fuji do artista do seculo XIX Hokusai.
Depois de meia hora de contemplacao, elevamos a fasquia. Subimos ao piso superior do hotel e entramos na banheira publica que existe ao ar livre. No Japao, as banheiras sao XXL, comunitarias e de aguas muito quentes. Qual jacuzzi, a mesma agua e utilizada por todos os visitantes ao longo do dia (ou da semana) e, portanto, em todos os banhos abundam os alertas para que nos lavemos antes de entrarmos na banheira.
Recuperados da fatiga da viagem, saimos a rua. Temos a certeza de que estamos bem instalados quando meia duzia de japoneses de meia idade com objetivas gigantes estao a entrada do nosso alojamento. Do outro lado da estrada, estao atracados alguns barcos de lazer. A sakura (cerejeiras em flor) esta quase no pico da sua beleza.
Os japoneses, como nenhum outro povo, vivem a primavera. Anualmente, os boletins meteorologicos fazem a previsao e o acompanhamento da sakura, com uma precisao cientifica, que inclui probabilidades e proporcoes de desabrochamento por regiao, cidade e altitude. Recorrentemente, ao longo da nossa viagem, a sakura foi o topico de conversa principal nas nossas interacoes.
– Para onde vao a seguir? Himeji? Oh, la as petalas ja estao a cair, deveriam ter ido ha 1 semana. O castelo estava lindo.
– Vao para o Monte Fuji? Deviam esperar mais alguns dias. Por la, a sakura esta ainda a 50%.
– Kanazawa? Sim, vao hoje! A sakura esta semana la esta fantastica!
Numa celebracao unica da renovacao e da efemeridade, a lingua japonesa tem, ate, um vocabulo especifico para as festas que decorrem nesta altura do ano a sombra das cerejeiras: hanami. Estas podem decorrer durante o dia ou noite nos parques e zonas verdes da cidade, e envolvem tipicamente um picnic e quantidades consideraveis de sake e cerveja.
Numa adoracao extrema do momento primaveril existe ate, cerca do Monte Fuji, o Moss Festival, onde o cor-de-rosa que normalmente vemos nas cerejeiras se espalha em forma de musgo. Chegamos adiantados para este evento, mas consta que ha dezenas de autocarros a vir em procissao, principalmente oriundos Toquio.
Depois de bebermos da sakura a beira lago, apanhamos o autocarro para a Kawaguchiko, a povoacao central. Atrevemo-nos a experimentar as especialidades da regiao. A carne de cavalo crua nao e tao ma quanto soa: se nos abstrairmos, e quase sushi. Para aquecer a alma numa primavera ainda fria, provamos tambem tonjiru, uma especie de cozido a portuguesa com massa.
Continuamos para uma das atracoes principais da regiao, o teleferico. Qual sardinha enlatada, embarcamos numa viagem de 5 minutos ate ao topo de uma montanha oposta ao Monte Fuji. Temos sorte. O ceu esta descoberto e la conseguimos arranjar um cantinho entre os outros turistas para registar o momento.
Regressamos para uma noite completa de sono. Na manha seguinte, pomos os pes a andar. Mesmo junto ao nosso hotel, inicia-se uma caminhada com uma subida ingreme, com destino a uma das vistas panoramicas sobre o Monte Fuji. Durante mais de meia hora, nao encontramos ninguem no caminho. Fazemos uma pausa e, ja exaustos, encontramos um casal de japoneses de idade muito avancada.
– Falta ainda uma hora. Mas e muito bonito, vao gostar.
Sorriem e continuam a sua descida. Totalmente equipados, fazem inveja a um anuncio publicitario da Decathlon, segmento senior. Temos menos de 40 minutos para subir. Bebo um gole de agua e acelero o passo. Nao subestimo a genica dos septuagenarios niponicos. Nem sobrestimo a minha condicao fisica.
E, finalmente, no limite do tempo, encontramos o ponto final da caminhada, a Panorama View. Tal como o nome indica, deste ponto panoramico conseguimos alcancar quase tudo a nossa volta: o Monte Fuji, em frente, o lago Shoji, a esquerda, o lago Motosu, a direita, e as povoacoes e a estrada, bem la em baixo.
Aqui, nao ha filas de turistas. Nao ha cliques continuos de camaras fotograficas. So duas japonesas nos fazem companhia, num picnic junto a uma arvore. Respiro fundo. Temos o miradouro so para nos. Por este momento, valeu a pena fazer a viagem desde Osaka.
Olhamos uma ultima vez para o Fuji e o nosso tempo terminou. Toquio esta a espera. Descemos o caminho ao dobro da velocidade e conseguimos estar a hora marcada na paragem de autocarro. O casal de septuagenarios ja esta la a espera. Entram connosco. Um ocidental da-lhes o assento. Sorrio. Ele sabe la do que eles sao capazes.
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Nossa, sem duvidas essa e umas das regioes mais lindas do mundo ne?! O Japao tem muito a oferecer a seus visitantes, acredito que precisamos viver por ai por uma temporada para conseguir conhecer tudo que tem a oferecer. Abracao!
Japao sempre me encantou, e de fato sao paisagens lindas e de tirar o fôlego. Ainda esta na nossa lista de desejos, mas logo vamos risca-la da lista. ���
Que viagem maravilhosa, hein? Tenho muita vontade de conhecer o Japao, mas ainda nao aconteceu. Queria muito ir este ano e o Monte Fuji, com certeza, entraria no roteiro.
Que belissima experiencia! Quero demais conhecer o Japao… o monte fuji esta no meu imaginario desde crianca, adorei ler o post de voces ���
Que delicia esse seu texto! Que otimo viajar pelo Japao na epoca das cerejeiras. E as fotos estao incriveis.
Obrigada Lua!
Nossa, que lindo! Essa regiao realmente e sensacional. Cheia de paisagens incriveis…
Desde pequena tenho vontade de conhecer o Japao. Cada vez que leio um post assim, tao completo, me da mais vontade. Quem sabe no ano que vem?!
oi Diana, acabo de voltar ao Japao com voce atraves de belas e inspiradas palavras e lindas fotos. Em minha viagem ao Japao nao estive ai; nem lembro bem a razao: o tempo, o frio?! Nao sei!
Por isso esse texto foi ainda mais agradavel para mim, por me mostrar um lado do pais do qual nao visitei. ��� bj
Analuiza, fica para uma proxima! A vista e incrivel, nao e?
Impressionante – o teu relato e as fotografias. O Japao e um destino que aos poucos se vai chegando ao topo de prioridades na minha lista de viagens. Sobe ao ritmo dos posts que vou lendo, que sao cada vez mais. No ultimo meio ano foram varios os bloggers que sigo que andaram pelo Japao e o resultado foi agucarem a minha curiosidade! Sao paisagens belas, que espero vir a conhecer rapidamente. E, claro, espero tambem ter a energia desse casal de septuagenarios quando a essa idade chegar, haha!
Obrigada Ana pelo teu comentario! Tens mesmo de comecar a juntar no mealheiro para esta viagem… ���
Que encanto de viagem, uma delicia ler esse post. Fiquei curiosa com a carne de cavalo crua, parece mesmo shushi? Na verdade que nao tenho problemas em comer comidas que nao conheco, ate gosto porque adoro comer e cozinhar. Mas tinha em mente que carne de cavalo fosse dura :).
Sim parece mesmo sushi.
Eu estava com receio de experimentar, mas depois provei e nao foi assim tao mal. Foi uma surpresa! E preciso experimentar de tudo, um pessoa nao pode morrer burra ���
Diana, amei o texto, as fotos, as dicas. Viagem linda e inspiradora e minha vontade de conhecer o japao aumento ainda mais!
Claudia
Que delicia de relato! Fiquei curiosa quanto a carne de cavalo tipo sashimi e nao sabia que as pessoas elaboravam o roteiro de acordo com a fase das Sakuras! Parece magico! E que vista voce teve depois dessa trilha, hein? Todo esforco recompensou!
Recompensou muito!
A sakura aqui e muito importante… tal como a queda das folhas no outono. As pessoas viajam de proposito para celebrar estes momentos ���
Nao tem hotel velho e decadente que resista a uma vista daquelas, ne? Que coisa perfeita! E as cerejeiras! Amei o relato
Obrigada Adriana!