A cidade turca de Sanliurfa, tratada pelos locais por simplesmente Urfa, e uma cidade de Historia e de historias.

Urfa foi a nossa primeira paragem no Curdistao Turco. Bastaram algumas horas neste verdadeiro melting pot de Medio Oriente, onde coabitam turcos, curdos, sirios e arabes, para sentirmos que haviamos abandonado o mundo ocidental. Afinal de contas eramos os unicos estrangeiros que percorriam as movimentadas ruas do labirintico bazar da cidade velha de Urfa. Resultado? Ao fim da tarde ja corria no bazar o burburinho sobre os dois portugueses que por ali andavam.

Em cada recanto por onde passavamos, as pessoas miravam-nos com cara de espanto por verem estes estrangeiros por estas paragens (a combinacao Curdistao e a distancia de cinquenta quilometros da Siria talvez expliquem um pouco a estranheza). Como tal, poucos resistiram a encetar dois dedos de conversa connosco, numa miscelanea de ingles, curdo, arabe e turco. Como o jornalista/professor/preso politico que queria so conversar connosco para treinar um pouco o seu ingles.

As gentes sao genuinamente afaveis. E foram elas que marcaram a nossa breve visita a cidade santa.

Chegamos de madrugada, mal o sol raiava no horizonte. Seguiu-se a tarefa de encontrar o autocarro que nos levasse ao centro. Numa cidade onde uma lingua comum e dificil de encontrar mas que veio provar inequivocamente que ha uma linguagem que quebra qualquer barreira: a generosidade.

A fome apertava e nada como comecar bem o dia com um autentico kahvaltı, o pequeno-almoco turco. Mais perto de um brunch que o nosso tipico cafe com leite e torrada. Logo ali fomos introduzidos na boa arte de receber destas gentes afaveis. Insistiram que entrassemos na cozinha para vermos a arte e mestria da confecao do katmer e a prepararacao do kaymak (nata solida).

Desconhecendo a localizacao do nosso alojamento, indagamos os empregados. Ninguem sabia onde era. De pronto, chamaram o moco de recados para nos ajudar a encontrar o bendito hotel... Foram precisos um condutor, um anciao madrugador e um empregado de limpezas das ruas. So este ultimo conseguiu descobrir o hotel, nao obstante uma chamada do seu proprio telemovel.

Aqui fomos as compras ao mercado local, onde as matriarcas nos aconselharam sobre o melhor queijo peynir, as azeitonas mais saborosas, o mais puro, aromatico e picante urfa biber, a melhor padaria para comprar o pao pide ekmegi. Este ultimo, inclusivamente, foi-nos oferecido pelo padeiro com as maos literalmente metidas na massa. Um gesto que nos deixou sem palavras de gratidao, nao porque nao tivessemos ja aprendido a dizer ��te�ekkür ederim�� mas porque nunca tal nos havia acontecido. Dar pao e dos gestos mais simbolicos da verdadeira generosidade humana.

A meio da tarde, na intencao de visitar as ruinas do castelo altaneiro, fomos abordados por uma familia que usufruia duma bela tarde de domingo piquenicando no terreiro sobranceiro a Gruta de Abraao. De imediato nos convidaram para um cha e nao aceitaram nao como resposta. Eram so as mulheres com as criancas e um jovem que servia de guardiao familiar. Os homens estavam todos no Gümrük Hanı a beber o seu cha e a discutir assuntos serios entre uma ou outra cartada.

As mulheres depositaram os bebes no nosso colo. Riam-se a bandeiras despregadas enquanto teciam comentarios, indecifraveis para nos obviamente. As criancas, entre olhares espantados, timidez mal disfarcada e risos envergonhados, continuaram na sua vida de brincadeira sempre com um olho nos estrangeiros. Ali fomos ficando, bebendo um... Dois... Tres chas. Belinay, a mais atrevida das meninas, estava extasiada com a novidade e fez tudo para nos ��agarrar�� um pouco mais. Nao resistimos ao seu entusiasmo. Supercuriosa com a maquina fotografica, passamo-la para a sua mao e o brilho nos seus olhos foi dum fulgor intenso. Aprendeu num apice a manejar os botoes, e em cinco minutos transformou-se na fotografa de servico.

Acabamos por nao ver o castelo pois fomos a procura dum lugar que transformasse as imagens captadas por Belinay em memorias para o futuro. Digital passado a papel, ao fim da tarde fomos entregar as fotografias ao jovem guardiao que trabalhava no Gümrük Hanı. Queriamos retribuir de alguma forma a generosidade da sua familia. Ficou surpreendido e agradecido. O seu sorriso aberto foi o melhor dos agradecimentos que podiamos receber.

Obviamente que procuramos visitar os monumentos, mas a interacao com as pessoas foi tao despretensiosa e franca que pouco tempo nos restou. A monumentalidade da cidade foi subjugada pela autenticidade destas gentes que nos tocaram o coracao.

Este artigo pertence a serie Palavra Puxa Palavra, as cronicas do Contramapa escritas por viajantes convidados.

 

Alexandre e Anabela abrem as fronteiras do mundo no Vagamundos. Tem fome de mundo, o que os levou a viver na Dinamarca, EUA e Alemanha. Ja calcorrearam os Parques Nacionais dos EUA numa road trip epica, palmilharam por terra a America do Sul, andaram 800 quilometros a pe no Caminho Frances de Santiago e vaguearam pelo Oriente numa viagem que os levou da monumental Pequim a frenetica Bombaim.

10replies
  1. Tais
    Taissays:

    Que demais, experiencias assim a gente leva pro resto da vida! Achei tao legal que voces revelaram as fotos pra dar pra familia, com certeza sera uma bela recordacao pra eles. Belo post!

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  2. Ana Carolina Miranda
    Ana Carolina Mirandasays:

    Eu tambem nao tinha ouvido falar sobre Urfa, mas gostei muito de ler seu relato e conhecer um pouquinho sobre ela. Boas dicas!

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  3. Fernanda
    Fernandasays:

    Que experiencia bacana. Tenho muita vontade de conehcer todos os cantos da Turquia, pois imagino que cada lugar seja diferente. Mas com uma coisa em comum: a generosidade e hospitalidade do povo. Lindo o post ���

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