Conta a lenda que um dos baroes da roca de Agua Ize era tao mau que, quando queria vir a Lisboa, pegava no seu cavalo, dirigia-se ao canal da Boca do Inferno, perto da roca, e saltava para o mar. Este teria uma ligacao a capital da metropole e o barao surgiria pouco tempo depois no seu destino.08_sao_tome_08

Ao longo dos anos, o canal foi sendo erodido pelo mar e tornou-se numa massa de rocha basaltica. Devido a sua forma peculiar e a forca com que as ondas o atingem, este local comecou a ser associado ao demonio e os sao tomenses ainda tem bastante respeito (medo, ate) a Boca do Inferno.

Boca do Inferno - Sao Tome

Boca do Inferno – Sao Tome

Situado na linha do equador, Sao Tome parece ter parado no tempo. A roca de Agua Ize, situada na costa este da ilha, e apenas um exemplo do fantasma gigante do passado que ainda sobrevive nos dias de hoje. A roca foi criada na segunda metade do seculo XIX para a exploracao de cacau, e a figura de Sousa e Almeida, Barao de Agua-Ize, destaca-se pela sua fama autoritaria e ma relacao com os trabalhadores.

10_sao_tome_10

Na altura existiam cerca de 800 rocas em Sao Tome e Principe, que gozavam de uma estrutura bem definida. O patrao geria todos os assuntos internos e externos, sendo o simbolo maximo do controlo. Depois, existiam os feitores que administravam as fazendas e os trabalhadores, que eram coordenados (e algumas vezes mal-tratados) pelos capatazes. Quanto a arquitectura, normalmente as rocas tinham a casa do patrao, que se destacava do resto das habitacoes, um hospital para os trabalhadores, as instalacoes fabris – que, na maior parte dos casos, incluiam caminhos de ferro para transportar o cacau ou cafe – e as senzalas para o alojamento dos trabalhadores.

05_sao_tome_05

Mais de cem anos depois, as ruinas sao uma constante na ilha. Apos o 25 de Abril de 1974 e o fim da epoca colonial, as rocas foram nacionalizadas e entraram numa fase de decadencia. Nao so Agua Ize, mas tambem Rio d’Ouro (agora, Agostinho Neto), Bombaim, Fernao Dias, Diogo Vaz, Monte Cafe, entre outras.

A saida em massa de portugueses e caboverdianos contribuiu para esse facto. Ao longo dos anos, apos a independencia, as rocas foram produzindo cada vez menos cacau e cafe e, pouco a pouco, foram sendo abandonadas por ma gestao e falta de manutencao. Hoje, os baluartes da economia e arquitectura colonial sao ruinas da ocupacao portuguesa e a producao de alimentos e apenas para destino local.

03_sao_tome_04

Para alem das ruinas, quem hoje visite Sao Tome encontra pouco da cultura colonial. Na capital, o meio de transporte que reina e a Hiace – carrinhas da Toyota amarelas que se enchem com mais de uma dezena de locais com destino as rocas circundantes. Ao contrario da rigidez do tempo colonial, os risos e o bom ambiente sao acompanhados de musica com o volume alto e havaianas nos pes. Quem, numa sexta-feira a noite, vai dar um pezinho de danca a uma discoteca ja nao e do tempo do patrao colonial – e do tempo da cerveja nacional, uma das unicas industrias do pais.

06_sao_tome_06

De resto, o po esta por todo o lado, tal como os avisos de proteccao para a malaria e a banana frita em pequenos pacotes de plastico. No pequeno pais africano isolado pode andar-se a qualquer hora em qualquer lado sem se sentir medo, mesmo que se tenha alguns milhares de dobras no bolso – nao que isso signifique muito dinheiro. Aqui, vive-se a cultura do “leve, leve”: as preocupacoes podem sempre ser adiadas para o dia seguinte e as nocoes de horarios sao esquecidas. Aqui, nao se aplicam todas as regras, muito menos as relacionadas com pontualidade. Bem-vindo a Sao Tome. O resto, fica para contar depois.

02_sao_tome_02

04_sao_tome_04

07_sao_tome_07

09_sao_tome_09

(Nota: Fotos creditadas a minha querida amiga Rita Esteves, que me aturou em Sao Tome durante dois meses. Nao foi facil, acredito. <3)

Leiam tambem o Roteiro de 7 Dias em Sao Tome. Escrevi tambem a cronica Leve Levam-me para o site Para Onde?

Chamo-me Diana.Gosto de ler, gosto de escrever e tenho ganho o gosto de viajar. Decidi juntar as historias acumuladas neste espaco e chamei-lhe Contramapa. Porque nas contracapas dos meus livros existe sempre um mapa, um sitio onde ir, um local a descobrir. Aqui podem conhecer as minhas historias e viagens em livro aberto.

6replies
  1. Sartenada
    Sartenadasays:

    Uau. Sao Tome, muito interessante, porque ele e totalmente desconhecido para mim. Tenho apenas visitou na Madeira, Acores e Ilha do Sal. Madeira e bela ilha das flores, eu amei Acores muito. Ilha do Sal, eu visitei quando a minha companhia aerea fez o desembarque tecnico a partir de Helsinquia para Buenos Aires; ha muitos anos.

    Estou muito contente que Voce mostrou fotos de Sao Tome. Obrigado…….

    Responder
  2. VIVIMETALIUM
    VIVIMETALIUMsays:

    Eu tenho uma paixao incondicional pela Africa,faco materias,salvo fotos,vejo o que tem de melhor retirando aquela imagem triste que nos estamos cansadas de saber,e quando vejo uma pessoa fazer materias incriveis eu fico muito feliz ���
    AMEI as fotos
    AMEI o jeito que escreveu o texto.
    AMEI o jeito que olha para esse territorio surpreendentemente encantador ���

    Responder
    • Diana
      Dianasays:

      Muito obrigada! Agora fiquei babada ��� Tambem gostei muito de Africa – so conheci Sao Tome e passei la dois meses em voluntariado. Experiencia unica, mesmo!!

      Responder

Leave a Reply

Want to join the discussion?
Feel free to contribute!

Deixe uma resposta

O seu endereco de email nao sera publicado.